Dor sem fim para sobrevivente do Morro dos Macacos

17/11/2009 08:47

Um mês após ataque de traficantes, jovem atingido com quatro tiros diz que não consegue mais chorar ao lembrar morte de irmão e primos

 

Quando fecha os olhos, o atendente de lanchonete Francisco Halailton Vieira, 22 anos, ouve as rajadas de tiros que pegaram de surpresa os quatro primos voltando para casa, depois de uma festa à fantasia no Morro dos Macacos, em Vila Isabel. Um mês após a invasão de traficantes rivais, que chegaram a abater um helicóptero da Polícia Militar, as lembranças do único sobrevivente do grupo de amigos ainda surgem em flashes e causam mais dor que os ferimentos das quatro balas que o atingiram. Francisco Halailton sangrou por nove horas e, desde então, nunca mais conseguiu chorar.

Com a voz trêmula, o rapaz falou pela primeira vez, desde que deixou o hospital, do seu sentimento de culpa e da tristeza com a morte do irmão e dos primos — tratados inicialmente pela Secretaria de Segurança como “engajados no confronto”. Francisco Halailton, o irmão Francisco Aílton, 25 anos, Marcelo da Costa Ferreira, 26, e Leonardo Fernandes Paulino, 27, comemoravam o carro novo de um deles e foram metralhados quando desciam a Rua Senador Nabuco, um acesso à favela.

“Parece que a gente pressentia alguma coisa ruim. A festa estava boa, mas não ficamos nem meia hora. Voltávamos calados no carro. Viramos a rua e ninguém teve tempo nem de respirar. Tirei o Marcelo, que estava no carona, mas fui baleado no braço e perdi a força. Um amigo me abrigou na casa dele, mas vi meu irmão e o Leo já mortos. Me sinto culpado porque eu não fui com eles e não pude fazer nada. Fiquei só, com essa dor”, desabafou.

Francisco Halailton ficou no banheiro da casa até o fim dos confrontos. O amigo tentava acalmá-lo e pressionava os ferimentos com toalhas para estancar o sangue. “Ouvia os tiros e rezava para Deus acabar com aquela guerra e eu ir para o hospital. Pensava muito no meu filho e chorava. Fiquei o tempo todo acordado e não sei se doíam mais os ferimentos dos tiros ou saber que meu irmão estava morto lá fora”.

Hoje, o rapaz sofre de síndrome do pânico, mas preferiu não entrar no Programa de Proteção à Testemunha por estar em tratamento psicológico. Por causa de um tiro de fuzil no braço esquerdo, ainda não mexe a mão e deve passar por outra cirurgia. “Sonho muito com eles e não esqueço aquela noite infernal. Éramos amigos de infância e vou carregá-los para sempre no meu coração, até o fim da minha vida”, disse.

Chefões que comandaram ataque ainda estão soltos

Um mês após a invasão ao Morro dos Macacos, a polícia identificou os chefes do tráfico que participaram do ataque comandado pelo traficante da Vila Cruzeiro Fabiano Atanázio da Silva, o FB. Nenhum desses bandidos, porém, foi preso. A perícia no helicóptero abatido deve ficar pronta ainda esta semana. Já o Peugeot em que estavam os jovens mortos nunca foi periciado.

À época, a PM fez diversas operações: houve 35 mortos em confronto, 59 presos e 40 armas apreendidas. Dois homens foram presos acusados de participar da invasão.

Imão do cabo Izo Patrício, um dos três tripulantes do helicóptero que morreram no ataque, Robson Patrício, também PM, disse que a família ainda não recebeu os benefícios e que também não teve nenhum suporte do governo. “Até hoje a resposta não foi dada, a justiça não foi feita. Três policiais morreram em uma aeronave que foi abatida e nada mudou”, criticou.

Medo de reviver os dias de pânico

Em Vila Isabel e no Engenho Novo, o clima ainda é de incerteza. Segundo moradores, tiroteios continuam rotineiros. “Hoje (ontem) mesmo ouvi tiros, mas nunca mais houve nada como naquele dia. Temos medo de que possa acontecer de novo. Nessa guerra, quem perde é o povo”, disse um aposentado, que se refugiou na casa de parentes naquela semana de outubro.

Moradora do Morro São João, de onde traficantes do Comando Vermelho partiram para a invasão, a doméstica G., 37, anos, sonha com a comunidade pacificada. “Perdi dias de trabalho porque não tinha coragem de mandar meus filhos para a escola”, lembrou.

Segundo o comandante do 6º BPM (Tijuca), tenente-coronel Fernando Príncipe, a polícia continua cumprindo a obrigação de combater o tráfico.

 

POR: PAULA SARAPU

 

 

 

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